sexta-feira, 10 de março de 2017

Estudo de Jó - IV

Conselhos de Jó aos maridos e amigos

    Examinar a vida de Jó é quase como entrar num crisol. Pense um pouco na palavra crisol. O núcleo dela está o termo latino crux, que significa "cruz", usado como símbolo de tortura.
     O crisol de Jó foi provocado por dois ataques severos de Satanás, ambos permitidos por Deus. Primeiro round - ele foi atacado na área de seus bens e de sua família. Seus meios de ganhar o sustento e manter um estilo de vida confortável foram subitamente removidos.
     O segundo round aconteceu logo depois do primeiro, antes que o pai desolado pudesse recuperar o fôlego. Satanás estava decidido a ouvir Jó a amaldiçoar a Deus; atacou-o então na última área restante - sua saúde. Em vez de reagir em pânico e ira, o homem perseverou heroicamente. De fato, desde sua época, Jó não veio a ser conhecido como um modelo de sofrimento, mais de perseverança.
     É bom lembrar o que foi escrito sobre ele em meados  do século I: "Tentes ouvido a paciência de Jó" (Tg 5.11). Jó suportou o crisol; ele não lutou nem tentou fugir dele. As únicas coisas que lhe restaram depois de a poeira assentar foi uma esposa e um pequeno círculo de amigos de quem não recebeu apoio algum. Nenhum corajosamente, consolo, nem palavras de eterna compaixão. Nem um abraço afetuoso. Eles apenas acrescentaram peso ao seu já pesado fardo. Mesmo assim, Jó perseverou.
     Um professor de história disse certa vez: "Se Cabral tivesse voltado, ninguém o culparia, mas também ninguém se lembraria dele". Alguém já disse: "Não confio num homem que não sofreu...". Olhando para essa declaração, compreendi que os conselhos mais preciosos que recebi em minha vida não vieram de novatos, mas daqueles que levavam as cicatrizes do crisol. "Da mesma maneira que os diamantes são feitos por meio de pressão e as pérolas formadas pela irritação, a grandeza é forjada pela diversidade". Os conselhos sólidos são dados por veteranos da dor.

CONSELHOS DE JÓ

Uma vez que isso é verdade, está na hora de recebermos alguns conselhos de Jó. Mais tarde examinaremos os conselhos e advertências que outros lhe deram, mas penso que é preciso considerar primeiro qual seria o conselho dele para nós. Um homem que suporta tamanha angústia tem certamente coisas úteis a nos dizer. Nenhuma delas diretamente é verdade, mais todas extraídas indiretamente, por inferência, dos últimos versículos do segundo capítulo de Jó.

Conselhos às esposas:

* Tenha sempre cuidado com suas palavras quando seu marido estiver passando por uma crise;
* Nunca sugiram que devemos comprometer a nossa integridade.

Conselhos aos maridos:

* Ouça com atenção e sempre diga a verdade à sua esposa;
* Ensine a ela o que você aprendeu sobre deus;
* Dê exemplo de pureza verbal;
* Aceite-a completamente; ame-a incondicionalmente.

OS TRÊS AMIGOS ORIGINAIS

    Não demorou muito depois desta calamidade para que as notícias sobre Jó chegassem ao conhecimento da maioria de seus amigos. O homem tinha muitos amigos, não só aqueles que foram vê-lo naquele dia. Todos souberam que Jó tivera problemas, problemas trágicos. Só alguns, porém, decidiram viajar para estar com ele. Não sabemos quase nada sobre esses homens. Não sabemos ao certo onde moravam originalmente. São simplesmente chamados de "Os três amigos de Jó".
     "Ouvindo, pois, os três amigos de Jó todo este mau que lhe sobreviera, chegaram, cada um do seu lugar" (Jó 2.11). A narrativa bíblica dá o nome deles: Elifaz, Bildade e Zofar.
     Os três amigos mais velhos eram provavelmente xeques ricos que tinham tempo e dinheiro para deixar suas casas e seus afazeres a fim de visitar Jó. É possível que tivesse encontrado Jó no mundo dos negócios. Talvez fizessem parte do empreendimento que fora de Jó em épocas melhores. Não sabemos como fizeram amizade, isto não é contado. O ponto é que cada um surgiu de um lugar diferente para passar o tempo no crisol com seu amigo.
     A história se desenrola: "Combinaram ir juntamente condoer-se dele e consolá-lo" (Jó .11). Você deve prestar sempre atenção nos verbos quando estiver lendo as escrituras. Esses termos de ação unem o movimento da história.

Aviso aos amigos: antes de entrar nessas considerações, esses homens deveriam ser elogiados por terem ido ver Jó. Enquanto todos os outros amigos e conhecidos de Jó apenas ouviram as notícias e ficaram de estavam, esses pelo menos compareceram. Um ponto para eles! Sua presença e o motivo que os levou nos dão uma oportunidade especial para avaliar a verdadeira amizade. Nós consideramos há pouco o conselho de Jó aos maridos. esta é uma boa ocasião para enfocar algumas características dos amigos verdadeiros;
* Os amigos se interessam o bastante para aparecer sem que peçamos;
* Os amigos mostram simpatia e consolo;
* Os amigos expressam abertamente a profundidade do seus sentimentos;
* Os amigos não se afastam diante de espetáculos desagradáveis;
* Os amigos compreendem e, portanto, dizem muito pouco.

     Os amigos agiram certo quanto os que estão no crisol detestam que se vão. Devemos deixar de Jó e sua miséria agora. Somos meros espectadores. Se tivéssemos vivido em sua época, não haveria meios de dizer: "Sei como se sente". Não sabemos. Não podemos sequer imaginar. Mas nos importamos. Nossa presença e nossas lágrimas dizem muito mais do que nossas palavras. As palavras soam ocas num crisol.

(retirado do site www.ibbv.org.br)

A Graça e a Paz do Senhor Jesus.

quarta-feira, 8 de março de 2017

Filhos de ABA

Jesus foi criado, em Nazaré, por Maria e José, de acordo com a rigorosa tradição monoteísta da comunidade judaica. Como todo judeu devoto, Jesus orava o "Shema": "Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR" (V. Dt 6:4), três vezes ao dia. Jesus estava envolvido pelo Absoluto, dominado pelo Único, o Eterno, o "Eu sou o que sou".

Em sua jornada humana, ele experimentou Deus como nenhum profeta de Israel jamais tinha sonhado ou ousado sonhar. Jesus era habitado pelo Espírito do Pai e deu um nome a Deus que escandalizou os teólogos e a opinião pública de Israel, o nome que saiu da boca do carpinteiro nazareno foi: "Aba", Paizinho.

As crianças judias usavam essa forma coloquial e íntima com seus pais, e o próprio Jesus a empregou com seu pai de criação, José. Como termo para a divindade, no entanto, não tinha precedentes no judaísmo, nem em qualquer outra das grandes religiões do mundo. Joachim Jeremias escreveu: "Aba, como forma de se dirigir a Deus, é ipsissima vox, uma expressão original, autêntica de Jesus. Somos confrontados com algo novo e estarrecedor. Nesse ponto reside a grande novidade do evangelho".

Jesus, o filho amado, não reserva essa experiência para si mesmo. Ele nos convida, nos chama para compartilharmos da mesma intimidade e do mesmo relacionamento libertador. Paulo escreveu: "Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos:Aba, Pai. O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus". (Romanos 8:14-16)

A maior dádiva que já recebi de Jesus Cristo foi a experiência com Aba. "Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11:27). Minha dignidade como filho de Aba é meu conceito pessoal mais coerente. Quando procuro formar uma autoimagem a partir da bajulação dos outros, e a voz interna sussurra: "você chegou, você tem um papel no empreendimento do Reino", não estou formando um autoconceito verdadeiro. Quando me afogo no desalento, e a voz interna segreda: "você não tem nada de bom, é uma fraude, um hipócrita, um diletante", tampouco se trata de uma imagem verdadeira.

***

A ternura é despertada pela segurança de sabermos que somos queridos completa e sinceramente por alguém. A simples presença desse alguém especial numa sala abarrotada causa um suspiro interior de alívio e uma forte sensação de segurança. Experimentar uma presença calorosa, cuidadosa e afetiva faz nossos medos desaparecerem. Os mecanismos de defesa do impostor — sarcasmo, citação dos nomes das pessoas famosas que conhece, hipocrisia, necessidade de impressionar os outros — caem por terra. Nós nos tornamos mais abertos, verdadeiros, vulneráveis e afetuosos. A ternura cresce em nós.

Como você responderia se eu lhe fizesse esta pergunta: "Você acredita honestamente que Deus gosta de você e que não o ama apenas porque teologicamente ele tem de amá-lo?". Se você pudesse responder com uma honestidade visceral: "Ah, sim, sou profundamente querido por meu Aba", você experimentaria, por si mesmo, uma compaixão serena, que se aproxima do significado da ternura.

Acaso, pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho de seu ventre? Mas ainda que essa viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti. Isaías 49:15

A Escritura Sagrada sugere que a essência da natureza divina é a compaixão e que o coração de Deus é definido pela ternura. "Graças à entranhável misericórdia de nosso Deus, pela qual nos visitará o sol nascente das alturas, para alumiar os que jazem nas trevas e na sombra da morte, e dirigir os nossos pés pelo caminho dapaz"(Lc 1:78,79).

Com estes atos de amor, Jesus provocou um escândalo entre os devotos e religiosos judeus da Palestina: A coisa absolutamente imperdoável não foi sua preocupação com doentes, aleijados, leprosos, possessos... nem mesmo sua parceria com as pessoas pobres e humildes. O problema real foi que ele se envolveu com falhas morais, com pessoas obviamente irreligiosas e imorais; pessoas política e moralmente suspeitas, inúmeros tipos duvidosos, obscuros, abandonados e desesperançados, existindo como um mal que não pode ser erradicado na periferia da sociedade. Esse foi o escândalo verdadeiro. Ele tinha mesmo que ir tão longe?... Que tipo de amor perigoso e ingênuo é esse, que não conhece seus limites: as fronteiras entre os colegas conterrâneos estrangeiros, membros e não-membros do partido, entre vizinhos e pessoas distantes, entre chamados honrados e desonrados, entre pessoas morais e imorais, boas e ruins? Como se a distinção não fosse absolutamente necessária aqui. Como se não devêssemos julgar nesses casos. Como se pudéssemos sempre perdoar nessas circunstâncias.

A vida de Jesus sugere que ser como o Pai é mostrar compaixão. Donald Gray se expressa assim: "Jesus revela, numa vida excepcionalmente humana, o que é viver uma vida divina, uma vida compassiva".

Deus chama seus filhos a um estilo de vida que contraria a cultura, um estilo perdoador, num mundo que exige olho por olho — ou pior. Mas, se amar a Deus é o primeiro mandamento e amar o próximo prova nosso amor por Deus, e se é fácil amar os que nos amam, então amar nossos inimigos deve ser o brasão que nos identifica como filhos de Deus.

O convite para vivermos como filhos perdoados e perdoadores é radicalmente inclusivo. Dirige-se não apenas à esposa cujo marido esqueceu o aniversário de casamento, mas também aos pais da criança que foi assassinada por um motorista bêbado; à vítima de acusações caluniosas e ao pobre vivendo em caixas imundas que vê o rico passar num Mercedes; aos violentados sexualmente e aos cônjuges envergonhados pela infidelidade de seus companheiros; aos cristãos que foram aterrorizados com imagens blasfemas de uma divindade não bíblica; à mãe que recebeu o corpo de sua filha horrivelmente deformado; aos casais idosos que perderam suas economias porque os banqueiros eram desonestos; à mulher cujo marido alcoólatra desperdiçou sua herança, e aos que são objetos de zombaria, discriminação e preconceito.

As exigências do perdão são tão intimidadoras que parecem humanamente impossíveis. Estão simplesmente além da capacidade da vontade humana carente de graça. Apenas a confiança despreocupada numa Fonte maior do que nós mesmos pode nos dar força para perdoarmos as feridas causadas pelos outros. Em momentos extremos como esses, há apenas um lugar aonde ir - o Calvário.

Fique ali por um longo tempo e observe como o único Filho de Deus morre completamente sozinho numa sangrenta desonra. Observe como ele sopra perdão sobre seus torturadores no momento de sua maior crueldade e impiedade. Naquele monte solitário, fora dos muros da velha Jerusalém, você experimentará o poder curador do Senhor que está morrendo.

Sempre que o evangelho é invocado para diminuir a dignidade de qualquer um dos filhos de Deus, então, é hora de se livrar deste assim chamado "evangelho", a fim de experimentarmos o evangelho. Sempre que Deus é invocado para justificar o preconceito, o desdém e a hostilidade dentro do Corpo de Cristo, é hora de observar cuidadosamente as palavras de Meister Eckhart: "Oro para livra-me de Deus a fim de encontrar Deus". Os estreitos conceitos humanos que temos sobre Deus e o evangelho podem nos impedir de experimentá-los plenamente.

Alan Jones percebeu que "é precisamente entre os que levam sua vida espiritual a sério que residem os maiores perigos".54 As pessoas piedosas são tão facilmente vitimadas pela tirania homofóbica quanto qualquer pessoa.

Minha identidade como filho de Deus não é uma sublimação ou um sapateado na religiosidade. É a verdade central da minha existência. Conhecer a existência da ternura acolhedora afeta profundamente a percepção que tenho da realidade, a forma como reajo às pessoas e às situações em que se encontram.

Como trato meus irmãos e irmãs no dia-a-dia, sejam brancos, africanos, asiáticos ou hispânicos; como reajo às cicatrizes de um bêbado, na rua; como reajo às interrupções de pessoas das quais não gosto; como lido com pessoas comuns, em sua descrença comun, num dia comum mostrará quem sou de fato, de forma mais pungente do que o adesivo "Sou a favor da vida", colado no pára-choque do
meu carro.

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O impostor começa a se encolher apenas quando é reconhecido, acolhido e aceito. A auto-aceitação, que flui do acolhimento da identidade essencial como filho de Deus, me habilita a enfrentar toda minha transgressão com uma honestidade inflexível, e completo abandono à misericórdia de Deus. Como disse minha amiga, a freira Barbara Fiand: "Integridade é reconhecer a transgressão e ser curado por meio dela".

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A homofobia e o racismo estão entre as questões morais mais sérias e inquietantes desta geração, e tanto a igreja quanto a sociedade parecem nos limitar a opções antagônicas. A moralidade "vale-tudo" de religiosos e políticos de esquerda é equivalente ao moralismo santarrão da direita. A aceitação não crítica de qualquer uma das linhas partidárias é uma abdicação idólatra à essência da identidade como filho de Deus. Nem o pó mágico liberal nem o jogo pesado dos conservadores se referem à dignidade humana, que sempre está vestida com farrapos.

Os filhos de Aba encontram uma terceira opção. São guiados pela Palavra de Deus e apenas por ela. Todos os sistemas religiosos e políticos, tanto de direita quanto de esquerda, são obras de seres humanos. Os filhos de Deus não venderão seus direitos à primogenitura por nenhum prato de ensopado, seja conservador ou liberal. Eles se apegam à liberdade em Cristo para viver o evangelho — não contaminados pela má qualidade cultural, pelos destroços de naufrágio político e pelas hipocrisias filigranadas das bravatas religiosas. 

A ordem de Jesus para nos amarmos uns aos outros nunca está circunscrita à nacionalidade, ao status, à origem étnica, à preferência sexual ou à amabilidade inerente ao "outro". O outro, aquele que reclama meu amor, é qualquer um a quem estou apto a reagir, como ilustra claramente a parábola do bom samaritano. "Qual destes três, em sua opinião, foi prestativo ao homem atacado pelos ladrões?", perguntou Jesus. A resposta foi: "Aquele que o tratou com compaixão". Jesus disse a eles: "Vão, e façam o mesmo".

"Venha o teu Reino?" O que faz o Reino vir é a sincera compaixão: um caminho de ternura que não conhece fronteiras, rótulos, compartimentagem nem divisões sectárias. Jesus, a face humana de Deus, nos convida a uma reflexão aprofundada sobre a natureza do discipulado verdadeiro e do estilo de vida radical de um filho de Deus.

(Retirado do livro "O impostor que vive em mim" de Brennan Manning - 4° Capítulo)

A Graça e a Paz do Senhor Jesus.